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Data Science e Tecnologia

Mapeando a vulnerabilidade hídrica da bacia do Rio Paraná

Por Isabella Holouka

Publicado em 26/11/2025

8 minutos de leitura

A Bacia do Rio Paraná é um dos ativos estratégicos mais importantes do Brasil. Sua vasta extensão e riqueza hídrica sustentam pilares da economia nacional, desde a geração de energia até o agronegócio. No entanto, esta região vital está sob crescente ameaça das mudanças climáticas, que intensificam eventos extremos como secas severas e enchentes devastadoras.

A questão central, portanto, não é se a bacia será impactada, mas onde e quando sua vulnerabilidade será mais crítica. Para responder a isso, a ciência de dados oferece ferramentas preditivas essenciais.

Este artigo apresenta os principais achados de um TCC (trabalho de Conclusão de Curso) que utiliza a ciência de dados para analisar, mapear e compreender a vulnerabilidade hídrica da Bacia do Rio Paraná. A pesquisa transforma um grande volume de dados climáticos e hidrológicos em insights práticos, oferecendo uma ferramenta poderosa para a tomada de decisão e a criação de políticas de adaptação mais eficazes.

A pesquisadora e o estudo: quem pergunta e por quê?

Maria Victoria Testi Mathias é a Engenheira Cartográfica com MBA em Data Science e Analytics USP/Esalq que conduziu esta pesquisa. Apaixonada por integrar tecnologia e inovação para resolver desafios reais, ela atua hoje em um consórcio que assessora o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) em projetos estratégicos de infraestrutura. Ela acredita que a transformação digital é essencial na gestão de recursos e na adaptação aos impactos climáticos.

O objetivo do estudo foi claro: fornecer um roteiro de vulnerabilidade para a Bacia do Rio Paraná, utilizando o poder da ciência de dados e da inteligência geoespacial.

A importância vital da Bacia do Rio Paraná

Sendo uma das maiores bacias hidrográficas da América do Sul, a Bacia do Rio Paraná ocupa uma área de aproximadamente 0,8 milhão de km² em território brasileiro. Seu papel é fundamental para a segurança energética e alimentar do país. A bacia é o coração da produção agrícola de culturas como soja, milho e cana-de-açúcar e, ao mesmo tempo, abriga um complexo hidrelétrico robusto, incluindo a Usina de Itaipu, uma das maiores do mundo.

O impacto visível das Mudanças Climáticas

As variações climáticas globais, como o aumento da temperatura e a alteração nos padrões de chuva, afetam diretamente os padrões hidrológicos da região. A consequência direta é a maior frequência e intensidade de eventos extremos, como enchentes e secas, que geram severos riscos ambientais e socioeconômicos, impactando a disponibilidade e a qualidade da água.

Um exemplo claro foi a seca severa que atingiu a bacia entre 2020 e 2021. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), o evento causou a diminuição drástica nos níveis dos rios, afetando a navegação; o comprometimento do abastecimento de água para a agricultura e áreas urbanas; e o prejuízo à produção de energia hidrelétrica, além de perdas significativas nas safras agrícolas.

Uma abordagem orientada por dados para entender a vulnerabilidade

Para enfrentar um desafio tão complexo, o estudo de Maria Victoria adotou uma metodologia robusta de ciência de dados, com o objetivo de transformar informações brutas em um mapa claro de vulnerabilidade. Os principais objetivos do projeto foram:

  • Identificar as áreas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos dentro da bacia.
  • Avaliar a dinâmica de eventos extremos, como secas e enchentes.
  • Correlacionar as principais variáveis climáticas e hidrológicas para entender suas interações.
  • Apoiar a gestão de recursos hídricos e a formulação de estratégias de adaptação.

Integração de Múltiplas Fontes de Dados (ETL)

O primeiro passo foi um processo de Extract, Transform, Load (ETL) para coletar e integrar dados de diferentes fontes, garantindo uma base de análise coesa e confiável. As fontes utilizadas foram:

  • ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico): Dados históricos de estações fluviométricas, que medem a vazão dos rios.
  • INMET (Instituto Nacional de Meteorologia): Dados históricos de estações pluviométricas, que registram o volume de chuva.
  • NASA: Parâmetros da superfície terrestre do modelo FLDAS para o ano de 2023, incluindo variáveis essenciais para a modelagem hídrica como evapotranspiração, escoamento de águas subterrâneas, temperatura do solo e fluxo de precipitação.

Análise espacial para mapear o risco

O método central da análise combinou técnicas de geoprocessamento e análise de decisão. Primeiro, todas as variáveis foram normalizadas para uma escala comum de 0 a 1, permitindo que fossem comparadas de forma equitativa.

Em seguida, foi aplicado o Processo Analítico Hierárquico (AHP), um método consolidado para tomada de decisão multicritério que permite transformar julgamentos de especialistas sobre a importância relativa de cada variável em pesos matemáticos, ideal para um problema complexo como a vulnerabilidade climática.

Por fim, utilizando o software de Sistema de Informação Geográfica (SIG) QGIS, as diversas camadas de dados ponderadas foram integradas através de álgebra de mapas, gerando uma visualização final que representa a vulnerabilidade espacial da bacia.

Principais descobertas: o mapa da vulnerabilidade da Bacia do Paraná

A aplicação da metodologia permitiu identificar padrões claros de risco e como eles mudam ao longo do ano.

Sazonalidade do risco: comparando períodos de seca e cheia

A análise revelou uma nítida “dança” sazonal do risco. Em julho de 2023, durante o pico da estiagem, a vulnerabilidade se concentrava como uma mancha de risco na porção sul da bacia.

Apenas cinco meses depois, em dezembro de 2023, o cenário se transforma: com a chegada do período chuvoso, a vulnerabilidade se alastra, cobrindo quase toda a bacia e intensificando-se criticamente na região centro-sul.

Essa análise sazonal é crucial para direcionar ações de monitoramento e prevenção, que devem ser adaptadas para cada época do ano.

Validação do modelo: conectando análise e realidade

Para garantir a confiabilidade dos resultados, os mapas de vulnerabilidade gerados pelo modelo AHP foram validados. A validação foi realizada sobrepondo os resultados do modelo a mapas criados a partir de dados históricos de vazão (ANA) e precipitação (INMET).

A análise confirmou uma forte coincidência entre as áreas de alta vulnerabilidade previstas pelo modelo e as áreas que, historicamente, apresentam maior risco de eventos extremos. Essa correspondência é a principal prova de que o modelo não é apenas um exercício teórico, mas uma representação fidedigna dos processos hidrológicos reais da bacia, o que lhe confere a credibilidade necessária para apoiar decisões críticas.

Transformando dados em decisões: implicações e próximos passos

As descobertas do estudo têm implicações diretas para a gestão de recursos hídricos. O modelo AHP se mostrou funcional para identificar áreas críticas que necessitam de atenção prioritária. Esses resultados servem como subsídio para a criação de políticas públicas mais eficazes, permitindo um planejamento focado na mitigação de riscos, na otimização do uso da água e na adaptação da infraestrutura regional.

Desafios e oportunidades

Como em todo projeto que une dados de múltiplas naturezas, a execução encontrou desafios técnicos que são inerentes ao trabalho de um cientista de dados e engenheiro cartógrafo:

  • A integração de dados com diferentes resoluções espaciais e temporais exigiu um tratamento cuidadoso.
  • O ajuste dos pesos no método AHP possui um componente de subjetividade que pode ser refinado com mais dados e validações.
  • O alto volume de dados impôs limitações computacionais, demandando otimização nos processos.

Para o futuro, o projeto abre oportunidades para o uso de técnicas mais avançadas, como a modelagem preditiva e a análise de séries temporais, que permitirão não apenas mapear a vulnerabilidade atual, mas também prever a ocorrência de eventos extremos com maior antecedência.

Conclusão: o poder dos dados na luta contra as Mudanças Climáticas

A análise espacial, apoiada por uma metodologia robusta de ciência de dados, demonstrou ser uma ferramenta estratégica e prática para a gestão climática. Ao identificar com precisão as áreas mais suscetíveis a secas e enchentes na Bacia do Rio Paraná, o estudo fornece um roteiro claro para ações preventivas e adaptativas.

Numa era de incertezas climáticas, transformar dados em inteligência geoespacial não é apenas uma vantagem técnica; é a base para a resiliência hídrica e a segurança econômica de uma das regiões mais vitais do país.

Transformar dados em informações é o primeiro passo para solucionar os problemas advindos das mudanças climáticas, destaca Maria Victoria Testi Mathias.

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